A Ferro e Fogo.

Foi em 23 de janeiro de 2006, no terceiro post do Blog, que nasceu pra falar de Brasil, que escrevi A Ferro e Fogo. Eram outros tempos. Iguais aos últimos anos. Diferentes dos últimos dias. No artigo original, eu falava justamente da empáfia dos políticos. Dizia que só com ferro e fogo, pra essa horda de canalhas começar a trabalhar. Em verdade, confesso, não era muito esperançoso. Sempre duvidei um pouco, ou um muito, da capacidade do brasileiro chutar o balde. Duvidava que era possível. Achava que sangue mesmo, quente, nunca apareceria no Brasil. Que tudo seria como sempre foi. Povo desleixado politicamente, conformado, mandado e obediente. Políticos prepotentes, semideuses inatingíveis que fariam, pra sempre, o que quisessem com o nosso dinheiro. Sabia que só mudaria com ferro e fogo. Não via, no Brasil de 2006, nem Ferro, nem Fogo.

O Gigante Acordou.

Então um movimento pequeno, até regular, começa a fazer barulho na capital, aquela longe demais das capitais. Uma pequena manifestação movida pela força política nasce em Porto Alegre por um motivo legítimo. Vence a batalha. A gigantesca São Paulo replica. Entra no jogo e arrasta o grande Rio e várias outras mais. O facebook se torna o veículo. O povo vai pra rua. A maioria assiste perplexa, sem entender. O movimento cresce, é um movimento sem bandeira, sem dono, sem líder, sem lenço nem documento. É um fenômeno em todo o Brasil, fora dele também. O mundo assiste, entende, e apoia. Não há mais como controlar a dimensão do que vive hoje o Brasil. O clique aconteceu. As pessoas se deram conta. Acharam o caminho. Viram que é possível. As ruas encheram, tremeram, vidros quebraram, sorrisos debochados murcharam, gritos de revolta e indignação ecoaram. Os palácios do poder foram cercados, atacados, os recados foram dados. Com o povo ninguém pode. Todo o resto é frágil, quando o pais está nas ruas. De uma despretensiosa faísca, a maior fogueira dos últimos anos se ergueu. O Gigante simplesmente Acordou.

A Política Tremeu.

Mas a classe política sempre achou que nada ia mudar. Nunca temeu. Sempre fez e desfez. Porque acreditaria, temeria, dessa vez? Temeu. Tremeu. Era uma das grandes dúvidas. Se a classe política ia finalmente entender, ou tudo precisaria se agravar, ainda mais. A política tremeu. Eles souberam que eram o alvo. Seus partidos eram odiados, expulsos e exilados do movimento sem bandeira. Só a verde a amarela entrava. O mundo assistia na Copa os estádios sacudirem com o hino cantado a toda voz, sem se deixar interromper. Seus palácios atacados, apedrejados, cercados e intimidados. OS próximos, fatalmente, seriam eles próprios? Não pagaram pra ver. A presidente se perdeu, tentou se achar, ainda tenta se comunicar, embora sem saber pra quem, e como falar. O congresso trabalhou. Seguiu sem pestanejar e nem discutir, os desejos das manifestações. A PEC da impunidade caiu, respaldada por apenas 9 delirantes agora inimigos da nação. Vários outros temas foram votados, até deputado preso teve. Nenhum partido me representa. Vocês não me representam. A reforma política está em pauta. Ninguém sabe como fazer. Todos sabem que vai acontecer. O voto secreto na caverna obscura das leis caiu. As máscaras estão nas ruas, pra dizer que as máscaras dos representantes do povo devem cair. O recado está sendo entendido. Pelo menos por enquanto.

O Brasil tem Jeito.

As proporções alcançadas pelo movimento foram muito superiores a qualquer alucinada previsão. Isso é certo. Então é difícil prever se o auge já passou, e por quanto tempo tudo isso vai durar. Mas pela lógica do jogo, o movimento deve começar, agora, a diminuir. O número de pessoas nas grandes cidades, a quantidade de manifestações de grande porte, e o impacto na mídia e no país. O que deve acontecer é a multiplicação de pequenos atos. Com objetivos mais específicos, com alcance menor, mas localizado. A invasão da câmara dos vereadores de Santa Maria, por exemplo. Que quer limpar a bagunça que os vereadores fizeram na CPI da Kiss. É assim que vai ser. Focadas, objetivas, mas as manifestações não devem parar. As gigantescas? Esperamos que voltem sempre que os políticos clamarem por elas. Que pisarem na bola. Que esquecerem que agora o gigante acordou, e sabe o endereço deles. Agora, é acreditar que as contas serão cobradas, que as mentiras serão desmascaradas, e principalmente, que o voto vai fazer uma belíssima faxina. É só o que falta, pro Brasil achar o seu rumo...

A Cobrança Não Pode Parar.

Não foi, ou talvez até tenha sido, mas quis o destino que não importa por que meio, ela virou um dos símbolos das manifestações. A máscara de V, de vingança. Quando saiu pra rua, o povo não quis ouvir mais nada. Não quis aceitar esmolas de 20 centavos, discursos vazios, promessas idiotas e limitadas. Na rua, o Brasil quer tanto que nem consegue listar. Quem tanto, que o governe nem sabe o que dar. Como dar, quando dar. Só uma coisa é certa: Nada pode parar. Uma onda acalma. Quando precisar, outra deve se manifestar. E se for pelos mesmos motivos, mais forte ainda deve quebrar. Uma onda pode, e deve acalmar. O ciclo, o gigante, nunca mais pode parar.

"E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz...
Sofrer..."