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    O sabugo e a coca

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    Nos primeiros anos na Capitolândia tudo era festa. Barbaridade, que nossos pais não saibam disso. Mas era só festa. No segundo ano nós morávamos em 3 primos. 3 meses de diferença de idade cada um. Mas eles não eram primos, eu é que era primo dos dois. Do Babus, e do Vanzolin. O apartamento por si só era uma aventura. Ele era de um ex comandante da Varig, e decorado com peças e acessórios de todos os cantos do mundo. A mesa de centro era italiana. Nas paredes, pistolas e adagas árabes. Tinha duas cozinhas, 3 quartos (um deles não tinha cama, tinha um divã) formando um clima todo meio sombrio.
    Nos arredores do apartamento, leia-se um raio de 3 ou 4 quadras, haviam uns 30 colegas e amigos, que faziam do 302 o lugar mais movimentado do velho centro. Não havia dia sem passar por lá no mínimo umas 10 pessoas. Mas tinha um deles que era quase um morador. O Sabugo. O Sabugo vinha de uma cidade de macho meio metido a valente, e recebeu esse saudoso apelido da seguinte forma:
    Primeira prova de cálculo na poderosa Universidade Federal da Capitolândia, cidadão segura as folhas do teste e profere as seguintes palavras em alto e berrante som: “Se eu não tirar 10 nessa prova, meto um sabugo no “bolso” (não era bolso, ok?)”. Por todo o resto do semestre, a cada aula, havia um Sabugo pendurado no quadro negro. Sempre havia.
    Pois o Sabugo era praticamente o quarto morador do 302. E resolvemos fazer uma homenagem a ele.

    O Sabugo era um gaudério reto, direito. Nós também. Então resolvemos entortar a linha para ver no que dava. Colocamos o Vanzolin no quarto enquanto o Sabugo chegava para a visita diária, e começamos o falatório.

    - E aí gurizada, como estão as coisas?
    - Pois é, andando Sabugo. Estão andando.
    - Vocês estão com umas caras de bunda, que que houve?
    - Nada demais, alguns problemas em família. Fica tranquilo.

    Tempo em silêncio, expressões entristecidas…

    - Me contem seus merdas! O que que houve!
    - Tudo bem Sabugo, vamos te contar. É o Vanzolin. Ele se perdeu na vida. Caiu no pó. A situação está insustentável.
    - Como que caiu no pó? Como assim?
    - Tá viciado. Cheira o dia todo. Já anda metendo a mão nas nossas carteiras. Ontem pegamos ele saindo com a TV. Tá complicado Sabugo, tá muito complicado.
    - E agora?
    - Não sei, não sabemos o que fazer

    Vanzolin então passa do quarto para a cozinha, com um prato raso e uma colher na mão. Fica uns intantes na cozinha, passa pela sala olhando a todos, e retorna ao quarto.

    - Vai começar de novo.
    - O que vai começar?
    - Espera um pouco Sabugo, você logo vai ver.
    - Ahhhh, blow, bléin, ploft!
    - O que é isso?

    - Fica aí Sabugo, já volto! Já volto!

    Silêncio…

    - Ahhh, blow, bléin, ploft!
    - Não adianta, ele está maluco de novo.
    - Como maluco?
    - Pois é Sabugo, ele tem tido essas crises, quebra tudo…

    Vanzolin tenta passar pela sala mais uma vez, e aí…

    - Vem aqui seu cheirador filho da mãe, vou fechar teu nariz a soco seu merda…
    - Calma Sabugo, segura, segura, calma Sabugo, não bate no Vanzolin, calma…
    - Melhor você ir Sabugo, volta outra hora!
    - Eu vou! Eu vou! Mas eu te pego seu cheirador de merda, eu te pego!

    Como esperávamos, o Sabugo surtou, queria bater no Vanzolin, e quase conseguiu, mesmo com dois segurando… E quando estávamos no auge do riso, rolando no chão da sala, escutamos os gritos lá de baixo, de fora do prédio…

    - Vem aqui embaixo seu cheirador filho da mãe, desce aqui que vou te ensinar a ser homem seu merda! Desce aqui seu cheirador de merda!

    - Cala boca Sabugo, eu cheiro o que eu quiser!
    - Vem aqui seu merda, vem aqui!

    - Vai para casa Sabugo! Não grita aí da rua! Olha a vizinhança…

    Rolava. Rolava de rir. Todo mundo rolava de rir. E após algumas horas nos recuperando de tanta risada, fomos na casa do Sabugo contar sobre o trote. Tocamos o interfone, e disse a velhinha que alugava o quarto para ele: “ Ah, ele estava muito nervoso, chegou muito nervoso, ele saiu de novo!”

    No dia seguinte, o Vanzolin estava todo borrado, com medo de apanhar na rua. Ficou em casa de molho, nem foi pra aula. Mas quem acabou apanhando fui eu, quando contei a história toda pro gaudério, no meio da aula. E isso nem foi o pior! O problema mesmo eram os olhares da vizinhança durante todo o ano seguinte…

    Sorvete com Chocolate

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    Quando eu era pequeno, lá na Interiorlândia, eu conheci a menina da bolha. Era engraçada, muito engraçada a menina da bolha. Desde o apelido, Pitunilda, até o jeitinho de rir, era engraçada. A Pitunilda era uma personagem única. Imagine alguém que só come chocolate e sorvete. Chocolate e sorvete. Fora isso, era na livre e espontânea obrigação.

    Mas ela escutava Zé Ramalho. Comia sorvete e chocolate, era pequena, magrinha, baixinha, frágil, mas você corria risco real de vida se contaminasse ela. Ah se contaminasse ela… Dizem a boca pequena, lá na Interiorlândia, que beijo na boca para a Pitunilda era como participar de “No limite”. Dizem. Muito amigo eu fui da Pitunilda, sempre curioso acerca da evolução daquela pequena notável. Tímida, extremamente tímida, com aquela risada engraçada, comendo chocolate e sorvete. Soube de um caso, em que alguns amigos foram recebidos na casa da Pitunilda para comer um bolo, de chocolate. Reza a lenda que um daqueles mais salientes (que toda festinha contempla) esboçou se jogar na cama da Pitu. Esboçou. Esboçou porque os físicos se enganaram, e o som do grito sozinho não só segurou o saliente no ar, como também colou o cidadão no guarda-roupas. Pasmem, não era rosa, o guarda-roupas.

    Então veio a universidade, a mudança para a Capitalândia e a dúvida: Como a Pitunilda ia reagir a todo esse grau de contaminação!!! Nos primeiros anos, ela surfava no bus. Isso, surfava. Porque ela não podia encostar nos bancos. Nem nas barras de segurança. Nem nas pessoas, a menos que fossem as amigas dela. Então concluí que a bolha seria eterna. Só mesmo chocolate e sorvete.

    A vida seguiu, a Capitolândia e seu corre-corre acabou por afastar as turmas, e perdi o contato com a Pitunilda. Até o dia que, em uma balada das fortes, eu vejo aquela cena estarrecedora: Recostada em um pilar (veja bem o grau de contaminação!), cerveja na mão direita, cigarro na mão esquerda está Pitunilda! Sem bolha, sem sorvete, sem chocolate, e pior: Beijando na boca!!! Resisti alguns momentos, conferi, esperei a iluminação ambiente melhorar, e após afastadas todas as dúvidas me apresentei para recolher as risadas que a situação requeria!

    Segui achando aquela cena, de décadas atrás, chocante. Mas a Pitunilda continuava a transformação. A menininha que de tudo tinha medo, acabou virando o mundo. Morou em vários países, chegou a ter 3 empregos, e hoje é uma destemida cidadã do mundo. Uma cidadã do mundo de verdade, não daquelas que lê na internet as facetas de cada lugarejo. Ela foi lá, conheceu e se contaminou com muitos recantos mundo afora! Ou todos aqui acham que é fácil se virar lá fora sem família, com poucos amigos, e chocolates de diferentes marcas! Sem falar do sorvete, que cada leite é um leite!

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