Baseado em fatos reais.

-Vamos Harry, por aqui! Rápido, eles estão chegando perto!
-Calma Hermione, estou tentando correr e te paquerar e não deixar o Rony perceber! É muita coisa!
-Deixa de ser tarado Harry! Você tem a eternidade para me paquerar! Temos que fugir agora!
-Por aqui, encontrei a saída! Eles nunca nos acharão! Harry! Onde está o Rony?
-Ele estava logo atrás de mim!
-Pessoal, por favor se dirijam rapidamente para a saída de emergência! Pessoal, por favorse dirijam à saída de emergência!!!

Opa? Essa frase está meio fora do contexto...
Pensei, hã? Lord Voldemort incendiando o cinema? Hoje? Agora? Tenho que sair? E a Hermione? Hã fogo? Calma, me esperemmmmmmmm!!!!!!!!!


Ao mesmo tempo em que todas as pessoas iam se levantando, naquele misto de pressa e indecisão, medo e dúvida, aquela coisa toda que passa tão rápido e tão lentamente, naquele pensamento que presta atenção em tudo e nada vê, nada ouve. É um daqueles momentos da nossa vida onde as emoções não só se misturam, como são paradoxais e confusas. Ok, eu não entrei em pânico. Mas também não estava fumando o cachimbo da paz de tanta tranquilidade.

Foi assim que vivi, lá na Capitolândia, a experiência de ser "evacuado"de um grande estabelecimento em chamas. Ora, e se não era justamente a edificação que mais tempo dediquei na minha vida profissional, entre as diversas fases da monumental obra. Claro que era. Pelo menos eu conhecia como ninguém os caminhos que levavam ao lado de fora. Alguma vantagem devia ter. E o fogo?

-Por aqui não, voltem, vamos sair pela praça de alimentação!

Fumaça! Fumaça! E preta! Fumaça de plástico! Qual loja? De onde vem? Corredor terminando, mais uma porta. Não há fumaça. Pessoas se empurram. Algumas gritam. Ninguém ouve nada. Os olhos só procuram a saída. As pessoas pela frente não fazem parte da paisagem. Só andava. Corria, caminhava. Haviam obstáculos. Não, eram pessoas. A saída se aproxima. Nada explodiu ainda. Estamos saindo! Saímos! Saímos!

-Aqui, aqui, saiam por aqui! Rápido, para fora!

E o carro? Tento lembrar onde estacionei. As pessoas pulam a cerca, estão indo em direção ao estacionamento. Vou junto! Chave na mão, fumaça no pulmão! Fumaça preta, olhos com enxaqueca! Eu corro, eu páro! Não deu, a fumaça me venceu. Eu volto. Páro, penso, continuo voltando. Não acho o foco do incêndio. Só fumaça. De plástico, é tóxica, densa, explosão? Pequena. Uma maior. Páro de novo, penso: Mas que besteira entrar lá! Está maluco? O que te deu? Compra outro carro! Teu pescoço é que não tem na concessionária pra vender! Telefone celular, estou ligando para o meu antigo diretor.

-Chefe, nossa obra está em chamas.
-Aé? Ok, amanhã eu passo lá.
-Chefe, realmente está em chamas, está ruindo o setor E.
-Tô indo.

Existe um apartamento amigo por perto. Água. Sofá. Nada na TV. Ansiedade, bombeiros, barulho, não lembro onde estacionei. Volto pro local. Não tem como ficar longe. Ansiedade. Queria entrar lá. Cade a droga do meu crachá? Eu ajudei a construir esse lugar! Tenho direito de entrar lá! Saco, eu me demiti! Troquei de empresa! Não tenho mais esse crachá! Escuto as pessoas falando!

-Vai cair?
-Dizem que está sendo controlado.
-E as lojas? 400 lojas! Quantas foram atingidas?
-Desabou!Desabou a laje! A parede abriu!

O setor E ruiu, os demais estão pretos. Era o prédio principal, o maior. As explosões continuam. A sala de controle está no centro do fogo. Lojistas desesperados. Alguns fazendo cena, a TV filma, a rádio transmite. As horas passam. Mais pessoas falando.

-Meu carro estava naquele canto, chegamos de viagem hoje, as bagagens estavam lá, somos do interior.
-O meu está lá também, mas não lembro...não lembro em que setor estava!

4. Já eram 4 da manhã. Fogo perdendo. Bombeiros ganhando. Setor E derrotado. D também. Setor C avariado. A e B parecem ter sobrevivido. Os outros 6 prédios do complexo estão intactos. Não houve vítima. Ufa! Hora de ir para casa. Taxi. Banho. Filme passando na cabeça. Não era Harry Potter. Caceta, perdi o final do filme! Eu adoro a Hermione! Cama. Cara de churrasco. Dia amanhace, sol nasce, se desenvolve, mas não explode.

-Rico!
-Tudo bem chefe!
-Onde estacionaste teu carro?
-Acho que no setor C, não tenho certeza.
-Então te safou, no C os carros só estão sujos, e alguns com os pneus no chão. Já no D e E...
-Tá no C! Tá no C! Agora tenho certeza!

Almoço, TV, caminhada, banho. Noite chegando. É sábado. Eu fico repassando a noite anterior. Gostei do meu comportamento. Saí tranquilo. Ansioso. Mas tranquilo. Ajudei pessoas que travaram a andar. Encarei a fumaça até ela me derrubar. É o rápido mais demorado que já vivi. As sensações individuais, e as reações são imprevisíveis. Gostei das minhas. Realmente gostei. Poderia dizer que sou sangue frio. Cheirei fumaça demais. Preta, plástica, tóxica. Estou doidão? Delegacia, registro. Passadinha básica pelo local. Movimento, lojistas desesperados. Prédio interditado. Nenhuma notícia. Alguns meses atrás e eu estaria ali junto na avaliação das condições do prédio, tinha trocado de empresa. Primeira troca da carreira. Primeiro incêndio da vida também.

-Rico!
-E aí chefe, como está nossa obra?
-Tá de pé, fora o setor E...
-Então tá tranquilo, é botar de pé de novo e reabrir as lojas.
-Rico! Tava no D. Teu carro tava no D. Lamento informar, mas teu carro meio que derreteu. Tá arrastando o pára-choques no chão...